13 de maio de 2012

O mundo estranho dos cangaceiros


    Saiba qual a relação entre Itabaiana e o cangaço


O banditismo social, como é rotulado por muitos, é um fato que atravessa os séculos. Começou basicamente quando o colonizador europeu chegou por essas bandas no século XVI trazendo a corja de malfeitores que nos viam como simples objetos de lucro (mudou alguma coisa?). Começou a montar suas barracas no litoral e explorando o interior em busca de ouro, prata, terra para o gado, lavoura e umas indiazinhas safadas para seu deleite. Em Itabaiana não foi diferente. Itapváma (segundo José Almeida Bispo, o V era colocado no lugar do U por dificuldades tipográficas), cresceu muito desde quando Simão Dias Francês nasceu debaixo da quixabeira no final do século XVI onde hoje fica a Igreja de Santo Antônio e Almas. Este recém nascido era filho de um francês com uma índia daqui do agreste, se tornou o primeiro itabaianense e foi amamentado por uma cabra (Rômulo Dias ou Remo Dias?). Pronto, a mentira vem de longe. Mas, uma pergunta que sempre me fiz foi: por que o valente Lampião e
seu bando nunca invadiram Itabaiana, já que aqui tinha tanta riqueza na década de 20 e 30? Será que por medo do que podia encontrar aqui ou por ter amigos coiteiros no local? Será que aqui a concorrência era grande por ter bandidos ou heróis demais? Qual a relação entre o cangaço e Itabaiana? Foi aí que fiquei encucado desde minha adolescência, quando comecei a
bisbilhotar as ideias históricas da terra da cebola (e também uns engraçados que disseram que não há relação). Toca a procissão adiante.
Comecemos por um cabra ruim virado na gota serena. Seu apelido (aqui não temos nomes de batismo): Mata Escura, parido em 1821 com o nome de (Santo) Antônio (São) José e (Simão) Dias. Assassino e ladrão profissional, foi levado à forca aos 25 anos de Idade no dia 08 de março de 1847 (primeira vez que a forca foi usada em Itabaiana) após assumir nove assassinatos e mais umas caridades (citado em Vila de Santo Antonio de Itabaiana, do escritor Vladimir Souza Carvalho. Pg. 252, 2009. Aracaju-SE). Seu enforcamento se deu em frente à Igreja Matriz de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. Mas, qual a relação dele com o cangaço? Bem, Virgulino só nasceria 50 anos depois da execução de Mata Escura. Mas, dia 13 de março de 1918, nas brenhas de Saco Torto, então povoado de Itabaiana, nasce Antônio dos Santos, que onze anos mais tarde, ao viajar para a Bahia em 1929, dá de cara com Lampião e é convidado a ingressar no bando deste. Passa a ser chamado instantaneamente de Volta Seca e apelidado de “menino”. 
Com o passar dos anos, este mascote se mostra muito destemido e cruel, mas por um ato heróico tenta salvar um amigo baleado e é pego pela polícia baiana em 1932. Durante sua passagem pelo bando, acabou compondo uma música em ritmo de xaxado chamada “Sabino e Lampião”. Depois de sair da cadeia, casou-se e foi morar no Nordeste, quando recebe um convite para morar em São Paulo, do cineasta e diretor Lima Barreto, para assistir e criticar o filme, O Cangaceiro (1953), mediante uma gratificação. O excangaceiro condenou a cena em que Lampião chicoteia um cabra na cara. Diz que nos sertões, não se faz isso com homem, se mata, pois cara de homem no Nordeste é sagrada. Graças às novas amizades conseguiu emprego na Estrada de ferro Leopoldina, onde trabalhou por vários anos. Por essas desventuras, no ano de 1957, é chamado pela Rádio Nacional para gravar um disco que retratasse as músicas do cangaço. Entre uma faixa e outra, há ainda curtos trechos de narração de Paulo Roberto, o então apresentador da Rádio Nacional. Neles, o radialista dá as devidas introduções às canções, explicando-as com um tom romanceado característicos dos anos 50. Antes da devida música, que citarei na íntegra adiante, ele fala:
“Quando entrou para o bando de Lampião, Antônio dos Santos era um menino de apenas 11 anos. Passou desde logo a ser Volta Seca, um simples tratador de Cavalos promovido mais tarde por merecimento a bandoleiro de fuzil marchetado, facão de três palmos e cartucheira cruzada. Agora, ele recorda a cantiga em que os cabras faziam uma brincadeira perigosa, mas fariam o mesmo de mexer com o Capitão Virgulino, o Terror do Sertão”. 

Segue-se abaixo a letra da música:
 
Sabino e Lampião - xaxado
E lá vem Sabino
Mais lampião
Chapéu de Couro
E o Fuzil na mão
Vem Sabino mais Lampião
Chapéu quebrado
E o Fuzil na mão
Lampião diz que é valente
É mentira, é corredor
Correu da Mata Escura1
Que a poeira levantou
Lá vem Sabino mais lampião
Chapéu de Couro
E o Fuzil na mão
Lampião tava dormindo
Acordou muito assustado
Deu tiro numa brauna
Pensando que era um soldado.

Volta Seca, Cantigas de Lampeão, São Paulo-SP, 1957 Volta Seca cita Mata Escura como se fosse algo amedrontador, capaz até de botar para correr o Capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião. Lógico, pode ter sido inconsciente, mas o terrorista itabaianense do século XIX era algo que servia de inspiração para os pais dizerem em tom de ameaça a seus filhos: “Vá pro mato não, Mata Escura te pega”, da mesma forma que se fala de saci, caiporas e luzernas. Há também uma entrevista feita com Volta Seca pelo Grande cartunista, humorista, dramaturgo, escritor e tradutor, Millôr Fernandes para o Pasquim de setembro/outubro de 1973, no221. Em uma abertura simples e uma resposta seca inicia-se a entrevista: 

“O Pasquim encosta na parede O „Jésse James‟ do nordeste: ‘Volta Seca’ - O cangaceiro Millôr - Você morava a que distância de Aracaju? VOLTA SECA - A seis léguas. Em Itabaiana Grande.” 

Viagem minha? Pode até ser, mas que é lógica é. Podem contestar. Vocês não viram nada ainda. Vamos para a próxima relação? O cinema. Pois é, o cinema... Segundo relata Joãozinho Retratista no jornal O Serrano, no 187 de 10 de dezembro de 1972 na matéria História do Teatro e do Cinema em Itabaiana: “Nos meados da primeira década deste século (ainda no XX), um trio, composto por Santinho de Tetéu, Zezé da lagoa e Oseas Preto, montou o primeiro cinema fixo em terras de Itabaiana. Funcionou ele, na Rua Tobias Barreto (Rua do Futuro), esquina com a General Siqueira, em casa especialmente para se servir de sede do cinema. Demorou pouco, e apesar da aceitação popular, o trio dispersou-se, e o cinema foi parar em Capela”. Pois bem, agora o cinema estava instalado lá pra riba depois dos Enforcados (atual Nossa Senhora das Dores). Dando voltas em páginas dos livros sobre o cangaço acabei me deparando com um fato interessante sobre Capela: o dia que Lampião foi ao cinema. O lagartense Ranulfo Prata em 1934 já havia narrado este fato, mas foi mesmo no livro do jornalista Fernando Portela e do advogado carioca Cláudio Bojunga no aclamado livro Lampião, O Cangaceiro e o Outro de 1982, que encontrei mais detalhes sobre o evento. No capítulo VI “Capela se rende e Lampião vai ao cinema”, tem um trecho interessante: “O telegrafista de Capela estava no cinema sentado ao lado do Juiz de Direito. Era o dia 15 de outubro de 1929. (...) o filme se chamava O Anjo das Ruas. Janet Gaynor se agitava, portanto na tela do único cinema daquela cidade (...). (após entrar no cinema a sombra de Lampião foi projetada na tela) Quem virou a cabeça (e todas se viraram) viu o Capitão Virgolino em pé, perto da última fila. Pavor, pânico, reboliço. Lampião gritou „daqui num sai ninguém. 

Quem corrê vê o gosto de uma bala atrás‟” (...) (depois de umas conversas e de desafinar a banda) „E agora, quero ver cinema‟. Compadre Ramos apagou a luz e Janet Gaynor voltou à tela. Por pouco tempo. Lampião não gostou (do filme). Os músicos se sentiram aliviados, alguns empunhavam o violino de cabeça para baixo” (pg. 39 e 40). Coincidentemente o filme fala de Angela (Janet Gaynor) que é presa após tentar roubar dinheiro para pagar o remédio de sua mãe, mas consegue escapar do reformatório e se esconde em um circo. Lá conhece Gino (Charles Farrell), um pintor. Ângela quebra seu tornozelo e tem que se aposentar do circo, mas não pode voltar para Nápoles, onde ainda é procurada pelo roubo.
Anos no futuro, em uma película de Paulo Caldas e Lírio Ferreira de 1996 chamada Baile Perfumado (filme centrado nas fotografias e filmes de Benjamim Abrahão) há uma citação clara a Itabaiana. Era assim: “Ói, os Firimento foram muitos. (...) O derradeiro (ferimento) foi coisa leve aqui no quadrí, lá em Pinhão, „Tabaiana‟, 1930”. A descrição dos “ferimentos” de Lampião, encontra-se também inserida no livro "Quem foi Lampião” pg. 151, do renomado pesquisador/escritor, Frederico Pernambucano de Mello. Assim se deu a passagem pelo cinema de Capela com a aparelhagem de Itabaiana e no filme nacional. Acha pouco? Não viu
nada, pule para o próximo parágrafo, cabra!

Agora vamos aos coiteiros e intrigados. Segundo Luis Antônio Barreto em “Lampião em Sergipe II”, publicado em 09 de julho de 2004 nas páginas do portal na internet, Infonet: “Antes de chegar a Poço Redondo em 29 de abril de 1929, Lampião esteve em Ribeirópolis, Pinhão e no povoado do Alagadiço, pertencente a Frei Paulo. Parecia procurar alguém ou reconhecer um terreno onde contava com amigos, como Otoniel Dória, de Itabaiana, terra de Volta Seca. A amizade entre Lampião e Otoniel Dória certamente evitou a entrada do cangaceiro e do seu grupo em Itabaiana. No dia 21 de abril Lampião estava em Ribeirópolis, de lá foi para Pinhão, voltou para Ribeirópolis, foi a Alagadiço, seguindo viagem até chegar a Poço Redondo, a terra que mais contribuiu com gente – homens e mulheres – para os bandos de cangaceiros”. De Saco do Ribeiro (Atual Ribeirópolis) Lampião manda uma piadinha para Itabaiana. Segundo Ranulfo Prata em “Lampião”, nas páginas 84 e 89 de 1934 diz: “Do Saco do Ribeiro-SE, lugarejo da fronteira (com Itabaiana), telefonou ao delegado de polícia e chefe de Itabaiana/SE, Otoniel Dórea, chamando-o de „colega‟. - Colega, por quê? Indaga intrigada, a autoridade. Explica Lampião: -„Pruque você é cego de um oio cumo eu!‟“, finalizou esse bate papo produtivo de mangações entre os dois cangaceiros (agora fui eu quem zoei kkkkkk).
Ainda em outros dois livros e em uma memória nada enferrujada, acabei encontrando outros fatos relacionados ao bando de Lampião à Itabaiana. Lendo há alguns anos um livro de semiverdades chamado Os Tabaréus do Sitio Saracura de um amigo itabaianense chamado Antônio Francisco de Jesus (pense num cabra gente boa esse tal de Chico Saracura, fã de Breguedela), li um relato semifantasioso 
na página 116 chamado “Lampião no oitão da Tenda”. O conto falava da passagem do Capitão pelo povoado Flechas, a poucos quilômetros de Itabaiana. Também, claro, poderia ser o bando de Zé Sereno ou de Curisco separados do grupo principal, como também o de Zé Baiano (que inclusive mataram-no aqui perto de Itabaiana no povoado de Frei Paulo, Alagadiço). Um trecho do conto (se quiser ler todo compre o livro, oras): “Nessa passagem pelas flechas, Lampião não fez mal a ninguém, a não ser a surra que deu na mulher de João de Ioiô, da Água Branca. Foi logo na chegada! O bando parou na bodega sortida com a intenção de comprar algum mantimento. A mulher do bodegueiro afobou-se e desacatou o chefe com impropérios, pois era conhecida como abusada mesmo. 

Lampião mandou um cabra segurar a malcriada, levantou-lhe a saia e deu-lhe vinte rebengadas com gosto”. Ao ser indagado sobre o fato, Tonho disse: “Rapaz, o povo conta né?”. Quem mora por essas bandas sabe muito bem como é isso. 
O segundo relato citado em livros sobre Itabaiana e o cangaço é no livro autobiográfico de Ilda Ribeiro de Souza, mais conhecida como a Cangaceira Sila, esposa de Zé Sereno. O livro me foi cedido por Fefi que provavelmente será um dos primeiros a ler este texto. No livro de 1995, publicado no Recife e de nome Sila, Memórias de Guerra e Paz ela relata algo extraordinário sobre Itabaiana. Segue-se adiante partes do capítulo que narra os fatos de 1938, depois da Tragédia de Angico, páginas 54, 55 e 56:

“(...)Ficamos no mato, nas terras de Sergipe, aquela cena triste não saia da nossa imaginação, andamos muitas horas sem trocar nenhuma palavra (...). Fomos para a fazenda de Etelvino (Mendonça), um fazendeiro de Itabaiana; era de confiança, amigo nosso e valente, porque para ter amizade com cangaceiro, precisava ser destemido e valente.

Zé Sereno disse a Etelvino, que eu precisava fazer um tratamento dentário. E indagou se podia fazer. Etelvino disse que eu podia ficar lá em Itabaiana, pois teria todo cuidado, em não atacarem. Então Zé disse a Etelvino, que eu ia me preparar e Etelvino ficou de marcar a hora, o dia do dentista (...). Fui para a casa de Etelvino, como estava combinado. Zé Sereno continuou no mato (...). Todo dia eu ia ao dentista com Etelvino. O dentista porém, cheio de curiosidade, começou a me indagar:

– Onde você estudou? Onde comprou essas roupas? De onde você é? (Itabaiana nunca muda mesmo).

Saí da casa de Etelvino e fui para a casa de Fonseca, que também era amigo de Zé Sereno e delegado de Itabaiana. Terminei o tratamento.

Zé Sereno organizou um baile de despedida do cangaço, em Pinhão; com a força sergipana estava com os cangaceiros, principalmente contra Zé Sereno (porque ele se entregaria às forças da Bahia), houve um tiroteio e um soldado foi morto.

Os macacos observaram e viram que eu não estava presente. Começaram então a me procurar. Fonseca soube dessa notícia. 

Chegando em casa, contou-me sobre o tiroteio em Pinhão e falou: Em minha casa eles só tiram você se passarem por cima de meu cadáver. 

Seguiu para a rua. O ambiente já estava calmo. Recebemos uma carta de Zé Sereno, avisando que ia mandar um coiteiro me buscar. Para sair da cidade, foi muito difícil; todos já sabiam que eu estava na casa de Fonseca e podiam me atacar para se vingar de José. O coiteiro chegou à casa de Fonseca, ele havia deixado os animais fora da cidade, para ninguém desconfiar.
Saímos pelos fundos da casa à noite, pegamos os animais e seguimos. Zé Sereno já estava em um local me esperando (...)”.

Ilda Ribeiro de Souza (Sila), relatando os fatos de 1938 após o massacre de Angico. 

Segundo o Advogado Bosco Carvalho, o dentista que tratou Sila foi Dr. Alfredo e segundo Fefi, o delegado Fonseca (mais conhecido em Itabaiana como Fonsequinha) foi indicação de “Dorinha”, ou melhor, Otoniel Dórea. Outro comentário foi feito pelo ilustre Mozart Fonseca. Este jura de pé junto que o tal dentista que tratava cangaceiros era o senhor Antônio Agostinho de Oliveira, seu pai, que na época também era promotor público. Um fato marcante de nossa Itabaiana, esquecido pela cidade e lembrado na memória da já falecida excangaceira e sócia-honorária da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), Ilda Ribeiro de Souza, conhecida como Sila de Zé Sereno. Faleceu em São Paulo no dia 15 de abril de 2005. Ela era natural de Poço Redondo-SE e tinha 80 anos quando foi para o céu dos carneirinhos.
Lampião esteve uma primeira vez no Pinhão, que pertencia a Itabaiana nas décadas de 20/30. Segundo Juarez Conrado (in memoriam), no seu recém lançado “Lampião: Assaltos e Mortes em Sergipe”, ele fala no capítulo 11 que “(...) Lampião esteve a 22 de abril de 1929 no lugarejo Pinhão, onde, embora não cometendo qualquer atrocidade, em companhia de Ponto Fino, Moderno, Corisco, Luis Pedro, Mariano, Arvoredo, Volta Seca (Menino), Labareda e Fortaleza, promoveu grande saque”. Um personagem que guardou muito bem esse fato se
chama Joãozinho Veneno que foi matéria do jornal Cinform em 06 de maio de 2001 na edição 942. João Batista da Costa, conhecido em Pinhão como Joãozinho de Danona ou Joãozinho Veneno, nascido em 04 de julho de 1914 no povoado Lagoas. Ele foi duas vezes vereador, caminhoneiro e delegado, tudo em Itabaiana. Pelas bandas de Itabaiana ele era conhecido como Joãozinho da Padaria, como relata Fefi e Zé Almeida ao serem perguntados se conheciam o cabra. Falecido em 05 de janeiro de 2007 viveu a vida inteira narrando os fatos da passagem de Lampião por duas vezes no Pinhão. “de dez palavras que falava, ele tinha que pôr Lampião no meio”, relatou Zé Almeida. Um dos fatos mais marcantes, relatado por Joãozinho foi o seguinte: "Na passagem do bando de Lampião em 14 de outubro de 1938, o cangaceiro Zé Sereno matou o soldado José Paes da Costa". Com emoção ele continua seu relato: "Quando chegou a volante, que veio brigar aqui à noite, o Zé Sereno pediu ao soldado José Paes, que era amigo deles, para tirá-los da cidade, porque eles não conheciam muito
bem a região. Zé Paes saiu com os cangaceiros e, mais adiante, depois de tê-lo guiado, sem mais nem menos Zé Sereno atirou nele, pelas costas, na traição. Não tinha motivo, foi só maldade", trechos da matéria do Cinform.

Voltando ao capítulo 11 do livro de Juarez Conrado: “(...) Entre os mais entusiasmado pelo bando destacava-se o garoto Joãozinho, que aliás, fez amizade com o temível Zé Baiano, coisa impensável, em se tratando de um bandido cruel e sanguinário como ele”. Pois é, o livro foi lançado dia 14 de abril de 2011, Joãozinho Veneno não se viu eternizado nas páginas do já falecido jornalista baiano que foi conversar com São Pedro aos 79 anos no dia 25 de outubro de 2011. Tá vendo? Era verdade de Joãozinho, muitos diziam que era lorota.

Mas, não para por aqui as relações de Itabaiana com o cangaço. Agora vamos para Terezinha Teixeira Lobo, filha do ilustre retratista Itabaianense João Teixeira Lobo, o Joãozinho Retratista. Segundo Dona Terezinha: “Papai tinha os negativos fotográficos que ele fez do bando de Lampião. Ele passou a vida inteira contando essa história e mostrando as placas de vidro em contraluz. Ele não os tinha revelado ainda, mas contava que seu Etelvino Mendonça o chamou na época (1929 e eu nem era nascida ainda) para tirar foto dos cangaceiros na fazenda deste. Chegando lá e vendo o bando, papai que não gostava de armas (nunca
precisou de uma em toda sua vida), ficou amedrontado. Tanto foi que na hora de se fazer um dos retratos, papai disse ao ver as armas apontadas para ele em pose para a foto, disse: „virem essas armas pra lá, senão não faço a foto‟, o medo das armas apontadas era maior que o temor ao bando naquele instante. Muitos anos depois ele sai de casa novamente para fazer umas fotos das cabeças do bando morto que passaram em cima de um caminhão por „Itabaiana‟. Papai morreu em 1982 e junto com ele uma caixa de madeira contendo esses negativos que sumiram, ninguém sabe onde foi parar”, finaliza pela décima vez dona Terezinha, senhora de boa prosa e feliz de quem tem alguns minutos com ela para um bom
papo. Todas as vezes que me conta essa história eu fico pensando “onde estariam os negativos?”. Já sonhei inúmeras vezes com esse achado. Imaginem se achássemos e revelássemos as fotos do nosso Benjamim Abrahão Tupiniquim?! Isso seria o achado fotográfico do século. Outro fator é que, Etelvino pode ter chamado Joãozinho para sua fazenda no Pinhão em 1929, este com 33 anos já e no auge da carreira de fotógrafo. Já em 1938 ele pode ter ido fazer fotografias de Sila, em sua passagem por Itabaiana ou até mesmo ido a Maceió ou Salvador fazer fotografias das cabeças recém arrancadas no fatídico 28 de julho de 1938. Terezinha era uma jovem de apenas oito anos de idade, mas cresceu ouvindo o
pai contar essas histórias que foram enterradas pelo tempo.
Por fim, em 2009 em oficina de cinema no Curso e Colégio Alternativo, eu e um grupo de alunos produzimos um stop-motion de doze minutos chamado Lampião em Itabaiana, usando quatro maquetes, 120 bonequinhos de barro e mais de 4000 fotografias para dar movimento a uma fictícia invasão de Lampião à Itabaiana em 1930. O filme está completo no Youtube em duas partes no www.youtube.com/roberioxiquita.

Cangaço, tema que nunca se esgota. Seja em livro, filmes, novelas, cordel, prosa
popular, músicas, memória, desenhos, cicatrizes, capitalismo, linguagem, roupas, mentiras, piadas, comida, toadas, xilogravuras ou qualquer que seja a forma cultural de se localizar em meio ao cangaço, ele sempre estará presente. Seria assim o nosso bang-bang do Old-West norteamericano. Mas, se for assim, os cangaceiros seriam os índios Pele Vermelha e os mocinhos bonitões que atiram rapidamente sem pestanejar seriam José Osório de Farias, o famoso Zé Rufino e seu bando? Pensando dessa forma, será que Lampião foi bandido ou herói? Eu mesmo não me atrevo a me posicionar, só sei que se Virgulino tivesse vindo para
Itabaiana ele teria sim asilo político e ai de quem mexesse com ele, tendo uns cabras valentes (citando Wanderlei da Marcela), como General João Pereira, Otoniel Dórea, Manoel Leite Sampaio, Etelvino Mendonça e o delegado Fonseca. Imagine a cena, um novo bando de cangaceiros seria formado em Itabaiana. Bem, olhando o corpo do texto e relendo, vejo que nada mudou, pois Itabaiana ainda aporta assassinos, desocupados e coisas ruins. Os lampiões existem e os coiteiros mais ainda. Proteção política e assassinatos são o que não falta na nossa Sucupira Sergipana que teima em continuar parada. Hasta luego, fiducansos!
 
FONTE: BR 360°.

Robério Barreto Santos
É escritor, fotógrafo, professor, cineasta,
jornalista e de vez em quando historiador.
DRT/SE 1539

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