- Pressão, estresse, acúmulo de funções e solidão estão entre os motivos que motivam as mulheres a beber
A porcentagem de mulheres que ingerem grandes quantidades de álcool tem aumentado pelo menos duas vezes mais rápido que entre os homens. Essa é a conclusão do último levantamento do Ministério da Saúde que abordou o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, o Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), de 2011.
Para o Ministério da Saúde, consumo abusivo de bebida alcoólica é aquele que ultrapassa, para homens, cinco ou mais doses numa mesma ocasião em um único mês ou, para as mulheres, quatro ou mais doses.
A tendência é de aumento crescente não só no volume de álcool ingerido, mas também na frequência com que elas bebem doses comprometedoras. "O aumento é mais expressivo nas regiões Sul e Sudeste, e nas classes de maior poder aquisitivo", diz Stella Pereira de Almeida, psicóloga pós-doutorada pela USP e especialista em tratamento e prevenção do uso de álcool. Para a psicóloga, é urgente que o poder público invista em campanhas de prevenção e divulgação de informações sobre os riscos do alcoolismo para a mulher.
Riscos para elas
Os efeitos do alcoolismo para as mulheres podem variar de acordo com o histórico médico e as condições biopsicossociais de cada uma, indo da dependência química e da cirrose hepática a condições crônicas (câncer de boca, de mama, de orofaringe, ou abortos espontâneos) e agudas derivadas de acidentes, quedas, violência ou mesmo sexo desprotegido.
"Quando jovens, a presença do álcool faz desenvolver deficiências em vários sistemas do organismo, como neuropatias periféricas (dificuldades de reposição da bainha de mielina, nos neurônios), miocardiopatia alcoólica (inchaço no coração e insuficiência cardiovascular), além de síndrome fetal alcoólica (quando o bebê nasce abaixo do peso, apresenta retardo de crescimento ou mental, ou alterações faciais", diz Arthur Guerra, psiquiatra da USP e presidente executivo do CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool). Neste último caso, a criança de mãe que bebeu durante a gravidez já nasce com abstinência da bebida, apresentando irritação excessiva, ansiedade e insônia.
Por que elas estão bebendo mais?
"Não há dúvida de que a disponibilidade e o aumento da renda própria, com melhora da situação financeira da mulher faz com que ela saia mais para beber com amigos", afirma o gastroenterologista Joaquim Melo, consultor em dependência química e presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas).
Segundo o antropólogo Mauricio Fiore, do NEIP (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos), com a quebra das barreiras de gênero, antigos hábitos masculinos também passam a fazer parte do cotidiano das mulheres. "A partir do momento em que as mulheres passaram a gozar de autonomia, velhos hábitos associados aos homens ficam à disposição, até mesmo aqueles que trazem danos ou perigoso à saúde", afirma.
Pressão e acúmulo de funções
Não basta ser uma boa profissional. No trabalho, a mulher acaba tendo que superar os homens --e, apesar disso, ainda aceitar salários menores que os deles. Quando volta para casa, muitas ainda têm que se preocupar com limpeza, arrumação, alimentação e educação dos filhos. Para o psiquiatra da USP Arthur Guerra, tamanha carga de responsabilidades e cobranças pode levar à busca por uma válvula de escape: o álcool.
Muitas passam a ter no álcool e em seus efeitos um antídoto para se apartarem de sofrimentos, angústias e frustrações. "O álcool tem efeitos ansiolíticos, portanto, pode ser consumido como substância que alivia a tensão, o estresse e a ansiedade", diz Stella Pereira.
Porém, a bebida ou qualquer outra droga como muleta não ajuda a resolver o cerne da questão geradora dos conflitos internos. Pior: ainda pode criar um problema ainda maior, o alcoolismo.
Copo de álcool para preencher o vazio
Desajustes familiares ou no casamento, sentimento de solidão e casos depressivos também costumam levar ao consumo de álcool excessivo. "O álcool é o típico amigo da onça, que ajuda muito naquele momento, mas vai estragando a vida e a saúde da pessoa, pouco a pouco", diz Joaquim Melo.
Segundo Arthur Guerra, o abuso alcoólico também está associado a quadros depressivos pós-menopausa ou posterior à saída dos filhos de casa. Nesses casos, os copos são usados para preencher algo que passou a fazer falta na vida da pessoa ou são uma desculpa para ocupar o tempo ocioso, ao qual ela não está mais acostumada, e com o qual não consegue mais lidar.
Banalização do álcool
Segundo o antropólogo Mauricio Fiore, o álcool sempre teve enorme peso simbólico na história da humanidade. Em nossa sociedade, ele se associa à diversão, ao congraçamento e ao relaxamento.
"Há pouco tempo, o consumo de álcool por mulheres ainda era menos aceito, assim como seus problemas com a bebida permaneciam velados", diz Stella. Como hoje não é mais necessário esconder esse comportamento, a mulher que bebe passa a ser vista como uma boa companhia, liberal, moderna. "Até um consumo imoderado chega a ser estimulado, em eventos como o Carnaval", observa a psicóloga.
Parte do problema do abuso do álcool está na banalização de uma droga que se antes era vinculada a momentos específicos de convívio social, hoje é requerida em qualquer celebração e cujo uso passa a, na maioria dos casos, não ter nada a ver com a necessidade de socializar:
"Não é para degustar, é para 'esquentar', ficar intoxicado", diz Arthur Guerra. Este posicionamento potencializa o abuso de drogas, independente da causa original pela qual se teve acesso a ela.
Com esse tipo de convívio com a droga, o limite estará no ponto em que a pessoa começa a perder o contexto de sua vida. Passa a se relacionar mais com pessoas que bebem, começa a prejudicar suas relações pessoais e familiares, chegando em casa muito mais tarde ou se tornando agressiva, falta ou chega de ressaca, pode começar a apresentar gastrites, ansiedades e problemas hepáticos.
"O álcool gera uma euforia no início, mas é agente depressor do sistema nervoso central e, em quantidades exageradas, causa depressões", diz Melo.
Além disso, esquisas realizadas na Faculdade de Medicina de Greifswald, na Alemanha, comprovaram que a taxa de mortalidade entre mulheres alcoólatras é 4,6 vezes maior que a das não alcoólatras. No caso dos homens, alcoólatras morrem 1,9 vezes mais que os sóbrios. Em ambos os casos, a idade de óbito cai 20 anos em média, quando comparada à expectativa de vida da população geral.
Com moderação
O IV Simpósio Internacional de Cerveja, que aconteceu no ano passado, em Madri, Espanha, trouxe boas notícias às mulheres não alcoólatras, mas que também não dispensam uma cervejinha de vez em quando.
O ginecologista Tirso Perez, do Hospital Puerta de Hierro, informou que apenas dois copos por dia têm ações antioxidantes, anti-inflamatórias, repõe estrogênio na menopausa e reduz riscos de desenvolvimento de hipertensões na terceira idade.
FONTE: noticias.bol.uol.com.br/
as mulheres estão bebendo cada vez mais?