10 de agosto de 2015

Cadastro Ambiental Rural: o raio-X do Brasil

O CAR é uma poderosa ferramenta de fiscalização ambiental, mas precisa passar por uma malha fina contra fraudes
Castanheira no Pará (Foto: Ana Cotta/ Flickr)


O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é atualmente um dos grandes desafios do país ao mesmo tempo em que uma das grandes oportunidades para darmos o salto que aliará a produção agropecuária com a sustentabilidade ambiental. Trata-se de um registro público eletrônico que, quando completamente implementado, vai funcionar como um raio-X do território brasileiro, permitindo finalmente o conhecimento do poder público sobre as propriedades rurais do país, quantas são, onde estão, de que tamanho, o quanto produzem. Pode-se dizer que o CAR está para a propriedade rural assim como o CPF está para o cidadão brasileiro. Ele será a identificação mínima que toda propriedade rural deve possuir.
Além de uma ferramenta poderosa de controle e fiscalização ambiental, o CAR é um instrumento ainda mais importante para gestão territorial, que poderá ser utilizada para planejamento de políticas públicas para as áreas rurais do país. Até hoje, dados precisos sobre essas áreas não estão disponíveis de maneira sistemática para os gestores públicos. Isso explica, em parte, o descontrole sobre o uso de agrotóxicos, o desmatamento e a grilagem de terras. E também impede que sejam identificadas, por exemplo, quais vias de transporte devem ter investimento em cada localidade, a partir do mapa e da distribuição das propriedades e da produção.

O CAR se tornou obrigatório com a Lei nº 12.651 de 2012, o Novo Código Florestal. Todos os produtores do país devem se cadastrar até maio de 2016. Pelos cálculos do Ministério do Meio Ambiente, até lá 5,6 milhões de propriedades deverão estar registradas. Até 30 de abril passado, 191 milhões de hectares estavam no sistema entre os 373 milhões de hectares cadastráveis. Isso corresponde aos territórios da Espanha, França, Alemanha, Itália e Inglaterra somados. Representa, no entanto, pouco mais da metade do território brasileiro. O desafio para o Brasil, sabemos, é maior do que para outros países.
Uma informação sobre a situação presente do CAR pode surpreender aos que estão acostumados a pensar a Amazônia como uma região atrasada em relação ao Brasil. É na região Norte que cadastro está mais avançado, com 69,26% da área já cadastrada. Quem ainda tem um maior caminho a percorrer é a região Sul, com apenas 13,7%.

O Pará foi pioneiro na aplicação desse instrumento para controle ambiental do território. Foi nesse estado que, em 2009, que os maiores frigoríficos brasileiros assinaram os acordos pela pecuária sustentável, se comprometendo a não mais comprar gado de áreas desmatadas ilegalmente. O volume no estado saltou de praticamente zero para 1.829 quilômetros quadrados de propriedades rurais cadastradas, ou 61,77% do território paraense. Essa é também a maior prova da eficácia do CAR no controle ambiental das atividades agropecuárias. Depois que passou a ser exigido pelos frigoríficos como condição para venda de gado, o desmatamento no estado despencou pela metade, de 4 mil quilômetros quadrados ao ano em 2009 para 2 mil quilômetros quadrados anuais, em 2014.

Os sucessos do Pará demonstram que o CAR pode ser revolucionário. Mas também pode ser um elefante branco. A diferença está nos detalhes que não podem ser negligenciados nem pelo poder público nem pelos produtores rurais. O modelo de inscrição tem sido questionado por ser autodeclaratório. Isso permite a maciça adesão dos fazendeiros. A contrapartida do estado brasileiro é que precisa ser eficiente, com a criação de uma grande equipe para passar os cadastros na malha fina, como faz a Receita Federal, para retirar do sistema cadastros incorretos ou fraudulentos.

A operação Castanheira, que desbaratou no ano passado uma forte quadrilha que derrubava floresta e grilava terras na região da BR-163, no Pará, demonstrou que hoje o CAR já é utilizado para dar aparência de legalidade a áreas griladas e desmatadas ilegalmente. Em um diálogo gravado pela Polícia Federal, um dos principais acusados fala a um comparsa: “Aquela terra lá do Patrocínio, em que nome foi colocado aquele CAR?” A pergunta desnuda a prática da quadrilha de fazer cadastros em série, em nome de laranjas, para vender terras griladas.
Nenhum sistema é à prova de fraudes. Criminosos como o que foi flagrado na escuta telefônica já encontraram mais de uma receita para burlar o CAR. Uma modalidade detectada é: o sujeito desmata hoje e faz o cadastro logo em seguida. Assim, impede o sistema de gerar a informação de que aquela área é pública, o que informaria a ilegalidade tanto do desmatamento quanto da ocupação. É uma fraude relativamente simples para coibir, já que as áreas desmatadas ilegalmente são identificadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Outra falcatrua que as autoridades podem inibir com facilidade é a inscrição de áreas em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, já que basta o cruzamento dos mapas para detecção.
Um tipo fraude de mais complexa é quando o CAR é adulterado pela manipulação dos limites do mapa, omitindo a invasão de áreas ilegais. O infrator teria um documento público que acaba por emprestar legitimidade a um crime. Por isso é preciso que a malha fina exista, com técnicos devidamente treinados e em número suficiente.
Ao controle rigoroso dos dados deve corresponder também a transparência total do que é informado ao sistema – uma expectativa de todos os brasileiros que acompanharam as discussões em torno do Código Florestal. A transparência precisa ser mais do que formal e se traduzir materialmente em relatórios públicos e dados consolidados disponíveis para todo o país.

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