“As esperanças do ‘Brasil do Futuro’ foram depositadas nas camadas profundas do pré-sal e muita gente acreditou neste conto de fadas”, lamenta o demógrafo.
José Eustáquio Alves lembra que o sonho de desenvolver o país com base nos recursos do pré-sal são antigos e surgiu há mais de meio século, com a “esperança no óleo redentor”, em 1953, com a criação da Petrobras, no governo Vargas. “Até o afamado Paulo Maluf criou a Paulipetroe gastou alguns bilhões de dólares para o engrandecimento de São Paulo, embora nenhuma jazida de petróleo descoberta fosse tecnológica e economicamente viável para a exploração”, comenta. Ao longo desse período, informa, as “jazidas pré-salinas foram apresentadas como o resgate do sonho da independência energética e como um ‘bilhete premiado’ que iria tirar os pobres brasileiros das míseras condições de vida, distribuindo saúde e educação para todos. O Brasil seria a Arábia Saudita tropical vivendo à custa das riquezas abissais”.“Tudo indica que, mesmo com pré-sal, teremos uma outra década perdida e um agravamento da pobreza e das condições sociais”, frisa José Eustáquio Alves à IHU On-Line. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o doutor em demografia critica o discurso que associa as reservas de pré-sal encontradas no país com a ideia de “passaporte do futuro”. Segundo ele, apesar das evidências de que os ganhos com o pré-sal ainda não podem ser vislumbrados, o pré-sal tem sido pouco questionado “porque abriu-se a possibilidade de muita gente ganhar dinheiro. O governo montou a estratégia de criar ‘campeões nacionais’ e promover o ‘conteúdo nacional’. Isto abriria a possibilidade de fortalecer muitas empresas – especialmente as empreiteiras – dinamizando toda a cadeia produtiva ligada aos combustíveis fósseis”.
Na avaliação do pesquisador, depois de adotar um “keynesianismo vulgar”, “parece que o governo federal está perdido e, além do ajuste fiscal, não tem um projeto viável e esperançoso para oferecer ao país”.
José Eustáquio Alves é doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE.
Confira a entrevista.
Foto: Wikigeo
IHU On-Line – Quais são as origens desse discurso de que o pré-sal poderia garantir o progresso e o desenvolvimento do Brasil? Em que contexto esse discurso foi elaborado?
José Eustáquio Alves - As origens são antigas. O uso doscombustíveis fósseis como motor do desenvolvimento vem ocorrendo de maneira sistemática desde 1776, quando entrou em operação a primeira máquina a vapor aperfeiçoada por James Watt. A generalização do uso do carvão mineral como fonte de energia extrassomática (na indústria, no transporte, na agricultura, etc.) foi o catalisador daprimeira Revolução Industrial. A utilização do petróleo (Edwin L. Drake perfurou o primeiro poço nos Estados Unidos em 1859) foi o catalisador da segunda Revolução Industrial no último quarto do século XIX. Nestes quase 240 anos (1776-2015) a população mundial cresceu nove vezes e a economia cresceu 120 vezes. A renda per capita cresceu 13 vezes. Ou seja, um operário médio, hoje em dia, ganha em um mês o equivalente ao que um operário pré-industrial ganhava em um ano, incluindo décimo terceiro salário. Foram os combustíveis fósseis que possibilitaram o crescimento da renda e do consumo, viabilizando a redução das taxas de mortalidade, a elevação dos níveis educacionais, a melhoria nas condições de moradia, etc. Em todo o mundo, o progresso humano é tributário da energia fóssil.
O Brasil não é diferente e também se beneficiou, mesmo que em menor proporção, das energias fósseis. Monteiro Lobato escreveu, em 1937, o livro “O Poço do Visconde”, no qual afirmava que havia petróleo no Brasil para impulsionar o desenvolvimento do país. A campanha do “Petróleo é nosso” viabilizou a criação da Petrobras, em 1953, no governo Vargas, objetivando o impulso da industrialização brasileira. Até o afamado Paulo Maluf criou a Paulipetroe gastou alguns bilhões de dólares para o engrandecimento de São Paulo, embora nenhuma jazida de petróleo descoberta fosse tecnológica e economicamente viável para a exploração.
É neste contexto de mais de meio século de esperança no óleo redentor que surge o pré-sal. As jazidas pré-salinas foram apresentadas como o resgate do sonho da independência energética e como um “bilhete premiado” que iria tirar os pobres brasileiros das míseras condições de vida, distribuindo saúde e educação para todos. O Brasil seria a Arábia Saudita tropical vivendo à custa das riquezas abissais. Quem não sonha em ganhar milhões na loteria ou receber uma grande herança da “Mãe” natureza?
“Os recursos da educação deveriam ser garantidos independentemente do pré-sal"
“Os recursos da educação deveriam ser garantidos independentemente do pré-sal”
IHU On-Line – Em que medida a perspectiva de desenvolvimento a partir do pré-sal é uma atualização do mito de Eldorado?
José Eustáquio Alves - A descoberta de ouro e prata nas colônias espanholas da América estimulou os aventureiros portugueses e europeus a procurar riquezas minerais no Brasil, pois o mito do Eldorado se alimenta do sonho da riqueza fácil. Mas, desde a chegada de Pedro Álvares Cabral, gastaram-se dois séculos até que os bandeirantes descobrissem ouro em Vila Rica e diamantes em Diamantina, ambas cidades das Minas Gerais. A carta de Pero Vaz de Caminhafalava da facilidade da riqueza agrícola: “em se plantando tudo dá”. Estes dois mitos fizeram do Brasil a pátria da “roça e da mina”. Já houve vários ciclos de exportação de produtos do campo e de minérios. Hoje em dia, a roça é o agronegócio e a mina é o pré-sal.
IHU On-Line – Por que o senhor se refere ao pré-sal como a “mistificação que está afundando o Brasil”?
José Eustáquio Alves - A “roça e a mina” estão afundando o Brasil porque estão promovendo uma “especialização regressiva” na estrutura econômica do país. Isto é, o Brasil passa por um processo de desindustrialização precoce e uma reprimarização das atividades produtivas. Este grave retrocesso no desenvolvimento industrial não entrou no centro das preocupações nacionais enquanto houve o boom das commodities. Durante os anos de 2004 a 2010 o Brasil conseguiu acumular reservas internacionais, reduzir a dependência do Fundo Monetário Internacional (e das finanças internacionais), manter a inflação dentro dos limites da meta, reduzir o desemprego e promover políticas públicas pró-pobre. A despeito da imobilidade urbana e do “carmagedon”, a ilusão do conforto, do bem-estar e do consumo da “nova classe média” garantiu a governabilidade para o presidencialismo de coalizão e deu a impressão de que o PT tinha um projeto de nação. Mas na realidade existia apenas um “projeto de poder” e tudo indica que, mesmo com pré-sal, teremos uma outra década perdida e um agravamento da pobreza e das condições sociais.
IHU On-Line – O senhor afirma em seu artigo que a “ideia do pré-sal como ‘bilhete premiado’ sempre foi equivocada”. Por que essa “ideia” fomentada pelo governo é pouco questionada?
José Eustáquio Alves - Bertolt Brecht dizia: “Infeliz a nação que precisa de heróis”. Parafraseando Brecht, podemos dizer: “Infeliz a nação que precisa de um ‘bilhete premiado’”. A ideia do “passaporte para o futuro” foi pouco questionada porque abriu-se a possibilidade de muita gente ganhar dinheiro com o pré-sal. O governo montou a estratégia de criar “campeões nacionais” e promover o “conteúdo nacional”. Isto abriria a possibilidade de fortalecer muitas empresas – especialmente as empreiteiras – dinamizando toda a cadeia produtiva ligada aos combustíveis fósseis.
Por exemplo, as contratações de sondas de perfuração e equipamentos para as plataformas reativaria a indústria naval, que demandaria produtos da indústria siderúrgica, que demandaria máquinas e equipamentos, que abriria espaço para a engenharia e os avanços tecnológicos da pesquisa científica. Tudo isto estava gerando emprego, impostos, renda para os municípios e novas oportunidades de negócios em diversas áreas do território nacional. Todas as fichas do desenvolvimento brasileiro estavam colocadas na ampliação da produção e refino de petróleo. Havia refinarias em construção no Rio de Janeiro (Comperj) e Pernambuco (Abreu e Lima) e outras duas previstas para oCeará e o Maranhão. Portanto, os recursos do pré-sal eram vistos como a redenção do Brasil e o fio condutor do desenvolvimento nacional. As esperanças do “Brasil do Futuro” foram depositadas nas camadas profundas do pré-sale muita gente acreditou neste conto de fadas.
FONTE: http://sergiorochareporter.com.br/PRÉ-SAL
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