Por que a obesidade passa de geração em geração (não é só
genética!)
CRISTIANE SEGATTO
PAI E MÃE PARA FILHO Uma
cena que representa o padrão alimentar de grande parte das famílias. O consumo
excessivo de guloseimas industrializadas, antes restrito aos fins de semana,
substituiu as refeições preparadas em casa (Foto: Christian Parente/ÉPOCA,
Produção de Objetos e Figurino: Felipe Monteiro e Jairo Billafranca, Assistente:
Allyni Cintra para Studio Bee Produções, Maquiagem e Cabelo: Omar Bergea,
Agradecimentos: Pet Shop Encrenquinhas, Kaue Moda Plus Size, Renner, ).
>>Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta
semana
"Eles concordavam que comida era feita de amor e era o que fazia o amor.
Nunca poderiam abrir mão de um pedaço de qualquer coisa que desejassem. E se
Edie, a filha inteligente e amada, era grande demais para sua idade, isso não
importava. Como poderiam não alimentá-la?”
Capa - Edição 780 (Foto:
Christian Parente/ÉPOCA)
Edie tinha 5 anos e 28 quilos quando seus pais enfrentaram o dilema: como
negar comida a um filho gordinho? Os pais não estariam mais por perto quando
Edie, aos 60 anos e 140 quilos, abreviaria sua história numa gulosa apoteose
diante da geladeira escancarada. A advogada aposentada que, desde cedo, aprendeu
a buscar conforto emocional na comida é a personagem central do romance The
Middlesteins, da escritora Jami Attenberg, recém-lançado nos Estados Unidos
e ainda sem editora no Brasil. Os Middlesteins são uma família judia de classe
média que vive em Chicago, mas o desconforto é universal. “Muitas pessoas que
conheço, inclusive eu mesma, têm uma relação estranha com a comida. Podemos
comer demais ou muito pouco”, disse Jami a ÉPOCA. “O pior é que somos obrigados
a encarar isso diariamente, três vezes ao dia. É uma questão que permeia toda a
nossa vida.” Aos 43 anos, ela hoje tem peso normal, mas foi gordinha até a
adolescência.
Se o livro fosse ambientado no Brasil, a história seria
igualmente verossímil. Quase metade da população brasileira (48%) pesa mais do
que deveria. Entre os homens, os gordos são maioria (52%). O histórico médico
das crianças (33% têm sobrepeso e 14% são obesas) já é comparável ao dos avós:
colesterol alto, diabetes, desgaste nas articulações.
A obesidade – principalmente a infantil – tornou-se o maior desafio de saúde
pública do Brasil. O SUS gasta R$ 488 milhões por ano para tratar a doença e 26
males decorrentes dela, como câncer, males cardiovasculares e
diabetes.
Em grande parte das famílias, as guloseimas e o fast-food,
consumidos esporadicamente no fim dos anos 1980, substituíram o almoço e o
jantar. Um registro detalhado da nova mesa brasileira aparece no documentário
Muito além do peso, da diretora Estela Renner. Nas pequenas e nas
grandes cidades, crianças de todas as classes sociais não sabem diferenciar um
pimentão de um rabanete. Ou um abacate de uma manga. Deter a epidemia é
responsabilidade de todos (escola, governos, indústria). E um fato não pode ser
desprezado: a obesidade é construída dentro de casa.
A maioria das
pessoas engorda pela simples combinação de sedentarismo e erros alimentares. Se
o corpo recebe mais energia do que consegue gastar, ela será estocada na forma
de gordura. Graças a esse mecanismo, a espécie humana conseguiu sobreviver no
tempo em que habitava cavernas, mal conseguia se proteger do frio e a comida era
escassa. O que era uma vantagem na dura Pré-História tornou-se um problema no
conforto do século XXI. Embora seja a mais frequente, essa não é a única causa
de obesidade.
Em menos de 10% dos casos, o ganho de peso pode ser
creditado a causas orgânicas, como distúrbios hormonais ou tumores. Sozinha, a
genética justifica cerca de outros 5%. Basta uma alteração num único gene para
que o excesso de peso ocorra desde os primeiros meses de vida, geração após
geração. Na parcela restante, 85%, a obesidade é explicada por uma combinação de
fatores: vários genes aumentam a predisposição ao ganho de peso, mas isso só
ocorre se o ambiente favorecer. É aqui que entram as estranhas emoções, como na
ficção de Jami Attenberg, e os hábitos aprendidos em família.
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