25 de novembro de 2013

A gorjeta do restaurante e o manicômio jurídico


Elaboramos e ajuizamos para a ASSOCIAÇÃO DOS BARES E RESTAURANTES - ABRASEL SP - Ação Civil Pública contra a CPI da gorjeta, por diversos fundamentos, como se expõe abaixo.
A questão da gorjeta é mais complexa do que aparenta.
O renomado advogado José Carlos Arouca fez declarações no último número desta Tribuna, criticando donos de restaurantes que se apropriariam das gorjetas dadas pelos clientes aos garçons.
Repercutiu o que é cansativamente divulgado pela mídia, versão unilateral, tendenciosa e simplista de um problema complexo, exemplo de que vivemos em um manicômio jurídico.
Neste artigo, procuramos explicar o que acontece e porque se justifica a ação contra a CPI.
A CPI DA GORJETA: CARA, INCONSTITUCIONAL, DEMAGÓGICA E INÚTIL
A CPI estadual da gorjeta é demagógica, cara, inconstitucional e inútil, o que justifica a Ação Civil Pública proposta pela contra? a Assembléia Legislativa, objetivando suspender seus trabalhos e recuperar para o erário público as despesas feitas com a mesma.
Os argumentos são mais que consistentes:
A - a CPI é inconstitucional, não pode decidir sobre a matéria, é inútil;
B - custa caríssimo ao contribuinte;
C - é tendenciosa, demagógica e tem objetivos eleitorais, ferindo portanto princípios de Direito, como o da moralidade, da legalidade, da eficiência, da isonomia, da razoabilidade;
D - pode servir de mau exemplo para outras Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas que, em vez de discutirem temas para os quais têm competência, escolhem os que são mais interessantes do ponto de vista eleitoral;
E- não atende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois há problemas muito mais relevantes que precisam ser tratados e que a Assembléia tem competência e no entanto deixa de lado, recusa-se a tratar.
Fundamentando este último item, a ação relaciona o que vem acontecendo com a criminalidade, educação, saúde, habitação, poluição, corrupção, transportes públicos, e outros. No final, juntamos dezenas de manchetes de jornais mostrando o crescimento assustador da violência na capital, no litoral e no interior do Estado.
A gorjeta é espontânea ou remuneração. Se espontânea, não há o que regulamentar. Se representa remuneração de trabalhadores, a competência, conforme a Constituição Federal, é da Câmara de Deputados e do Senado. E só no Senado, há dois projetos tramitando, acompanhados por empresários e trabalhadores de todo o País.
Nada mais razoável que acabar com um CPI que vem gastando dinheiro público, e é constituída por deputados que deixam de fazer o que devem para discutir e decidir o que não lhes compete, enfim, que seja totalmente inútil.
Espera-se que o Judiciário a declare inconstitucional e determine sua extinção, assim a devolução dos gastos ao erário público, aí incluindo o tempo despendido inutilmente pelos deputados. Este é um resumo de mais de vinte páginas de argumentos.
UMA QUESTÃO COMPLEXA E POUCO CONHECIDA
Como está posta, a questão da gorjeta é extremamente prejudicial não só aos trabalhadores do setor, mas também a seus empresários, tantas são as confusões que causa, de um lado porque o fisco considera gorjeta faturamento e faz incidir tributos e encargos sobre ela, de outro, porque a Justiça do Trabalho, a considera salário ou remuneração, e então quer que o recebido quanto a este item, incida sobre demais verbas pagas ao funcionário.
As reiteradas notícias que os “patrões se apropriam das gorjetas dos garçons”, por serem genéricas, não passam de grosseiras inverdades. Evidente que isso pode acontecer com uma minoria, pois não há categoria profissional ou econômica que não tem suas ovelhas negras. Afirmar que uma categoria econômica é composta por delinquentes não tem o mínimo sentido. É como se todos os brasileiros o fossem, faltando apenas a oportunidade. No caso da categoria em tela, mais ainda, pois ela é composta em mais de 80% de ex trabalhadores, inclusive ex funcionários dos estabelecimentos, que montaram os negócios, depois de economizar a vida inteira.
Cerca de 90% dos pagamentos nos estabelecimentos, são feitos com cartões ou cheques, nele incluídos, quando autorizados, as gorjetas. O proprietário é obrigado a receber através de equipamentos eletrônicos impostos pelo fisco (“nota fiscal paulista”). Registrado no equipamento, o pagamento se torna faturamento, e desta forma, sobre ele incidem obrigatoriamente Cofins, Imposto de Renda, Icms, Pis e outros impostos.
A operadora de cartão de crédito, cobra porcentagem, assim como os tíquetes refeição (entre 3% a 6%) e só devolvem o dinheiro do restaurante, depois de 30 dias em média.
Uma vez que o fisco e a operadora do cartão cobram impostos e comissões sobre o faturamento total, incluindo aí os 10%, muitos proprietários retiram uma porcentagem equivalente e pagam o restante aos funcionários. O sindicato obreiro, apesar de explorar a inconsistência da mídia, reconhece esta realidade nos bastidores, tanto que consta da Convenção Coletiva que os empresários podem descontar até 35% da gorjeta para saldar essas obrigações
Pelos proprietários, o melhor que poderia ocorrer era o cliente pagar ao garçom, diretamente, a gorjeta, mas eles querem pagar uma única vez com cartão ou cheque e não aceitam pagar em separado.
Por outro lado, quando o pagamento se dá diretamente, o funcionário que recebe julga ter direito integral a ela e os colegas que cuidam de mesas menos rentáveis, ou ficam na cozinha, ou tem menos poder na hierarquia (barman, cummis ou o próprio garçom em relação ao maitre), nada recebem, o que gera conflitos. O clima ruim prejudica a qualidade do serviço prestado ao cliente, o que é indesejável em um ramo de violentíssima concorrência. O sindicato obreiro também sabe desses conflitos, tanto que, apesar de solicitado, se recusa a sugerir qual o percentual da gorjeta que deve receber cada funcionário.
Se incide sobre a gorjeta cerca de 35% de tributos e encargos, mais 3% a 6% de comissões, se sobre o total de 20% a 30% tem que ser entregues aos funcionários da cozinha, evidente que os garçons não recebem integralmente.
DISTRIBUIÇÃO DA GORJETA COMO PLR
Ninguém mais que os proprietários de restaurantes querem regulamentar a gorjeta. A ABRASEL já propôs no Senado, um projeto de lei, pelo qual a gorjeta será entregue integralmente ao trabalhador, duas vezes por mês, como se fosse uma espécie inovadora de PLR, previsto na Lei de Participação em Lucros e Resultados. Pela proposta, não incidiria sobre a gorjeta qualquer tipo de desconto, nem por parte do governo, nem por parte do proprietário. A retenção indevida por este, equivaleria então a uma apropriação indébita, ilícito penal e civil.
Um outro projeto de lei aprovado na Câmara Federal pretende incluir a gorjeta no salário. Ora, tal projeto prejudica os empresários, funcionários e clientes, até o país como um todo. A folha de pagamento representa entre 30% a 40% das despesas dos estabelecimentos e se gorjeta for incluída no salário, essa despesa dobra.
Não há empresa alguma que possa suportar esse ônus. Ninguém tem margem de lucro e reservas tão milagrosas.
Os proprietários teriam que jogar esse custo no preço do cardápio, afugentando clientes, ou teriam que demitir funcionários, quiçá passar à informalidade, de onde fariam concorrência desleal com os que conseguissem se manter formais. O desarranjo seria fantástico. A demissão de centenas de milhares de funcionários, seria inevitável.
A INSEGURANÇA JURÍDICA CRIADA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO
Outro drama dos proprietários se dá na Justiça do Trabalho, que considera a gorjeta como sendo salário ou remuneração. O empresário pensa que está pagando remuneração de x ao trabalhador e ele depois de vários anos reclama na Justiça do Trabalho, que vai reconhecer que a remuneração era de 2 x. E então todas as férias, 13 salários, horas extras, FGTS, etc, pagos nos anos trabalhados, tem que ser pagas novamente, com juros e correção. Os passivos são impossíveis de calcular. Ninguém compra um negócio no setor. Se comprar, exige que o vendedor demita os funcionários e acerte verbas rescisórias na Justiça do Trabalho, pois em nenhum outro lugar a rescisão tem validade definitiva. A insegurança é total. A desconfiança no ambiente de trabalho, permanente. Os conflitos entre empreendedor e trabalhador, inevitável. A rotatividade de trabalhadores, uma constante; a contratação e treinamento de novos colaboradores tem custo elevado.
Note-se que se trata de questão complexa, que os proprietários, a maioria honesta, quer regulamentar. No entanto, são vítimas das mais desvairadas acusações pela mídia e pela CPI.
A IMPORTANCIA DO SETOR PARA O PAÍS
A regulamentação da gorjeta de uma forma justa, sem deixar de considerá-la espontânea, o cliente só paga se quiser, seria bom para todos os envolvidos e para o país. O setor de restaurantes tem mais de dois milhões de empresários, mais de seis milhões de trabalhadores, presta serviço e é opção de lazer, democrática, acessível, para mais de cem milhões de brasileiros, é a mais procurada e mais apreciada atração para turistas domésticos e internacionais nas grandes cidades, porta de acesso ao mercado para dezenas de milhares de empreendedores, anualmente, contribuir fortemente para a receita fiscal. A quem interessa debilitar um milhão de pequenas empresas, em vez de lhe dar mais segurança jurídica?
A regulamentação da gorjeta, segundo proposto pela ABRASEL, traria segurança jurídica, estimularia mais investimentos, geraria mais empregos, tributos, prestadores de serviços, atrações turísticas. Esperemos que aconteça.

Percival Maricato

Maricato Advogados Associados
Advogado da Central Brasileira do Setor de Serviços - Cebrasse

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